
Como lidar com o assédio moral no ambiente de trabalho dos profissionais da saúde?
Dias desse estava conversando com um médico aqui da capital. rEle trabalha num hospital público.
Por curiosidade, perguntei o que ele achava da questão do assédio moral na medicina, entre médicos e outros profissionais da saúde.
Eu conto essa história com mais detalhes no vídeo abaixo.
Como digo no vídeo, infelizmente o assédio moral ainda é muito confundido com exigência, com a famosa “pressãozinha” no trabalho.
Infelizmente, muitos médicos enxergam o assédio moral com naturalidade.
Mas a prática do assédio moral, além de deplorável, pode gerar vários problemas para o médico que assedia.
E, do outro lado, pode gerar o direito à indenização por danos morais àquele que é assediado.
Nesta publicação, vamos entender melhor o fenômeno do assédio moral na medicina do ponto de vista do Direito.
Existem muitos estudos sobre como o assédio moral impacta a vida pessoal e a saúde mental de profissionais, inclusive estudos voltados exclusivamente para a medicina.
Compartilho com você esse estudo sobre Assédio Moral Nas Residências Médicas e Não Médicas de um Hospital de Ensino.
O assédio moral pode acabar com a autoimagem e a autoestima de uma pessoa, gerando uma insegurança profissional para o resto da vida.
Também pode gerar problemas psiquiátricos como a síndrome do pânico, a depressão, o estresse pós-traumático e a síndrome de bournout.
Esses estudos mostram que não é aceitável o argumento de que o assédio é apenas pressão normal de trabalho e que as pessoas estão exagerando.
Eles são bases para várias campanhas contra o assédio moral promovidas por entidades ligadas à área da saúde e instituições como hospitais e clínicas.
O que caracteriza o assédio moral do ponto de vista legal?

Existem 3 critérios para você identificar se a conduta de um profissional configura assédio moral:
- a conduta é agressiva e há um abuso cometido;
- as agressões ou abusos são cometidos repetidas vezes;
- existe uma intenção de agredir, de abusar, de causar um dano no assediado.
Então, são estes três critérios: abuso, repetição e intenção.
Exemplos de abuso moral na medicina
Vou trazer alguns exemplos dentro da medicina para tornar o conceito mais claro:
- acusar um residente de um erro grave quando não há nenhum indício ou prova de que foi ele quem cometeu o erro;
- agredir verbalmente, xingar, dar apelidos com forma de humilhação;
- atribuir tarefas impossíveis de serem cumpridas ou muito acima da capacidade técnica da pessoa;
- dar punições injustas;
- ficar ameaçando de demissão, mas não demite;
- dar instruções erradas, confusas ou incompletas, só para prejudicar o colega de trabalho (essa é terrível);
- tratamento diferenciado – o tom da crítica é mais agressivo quando direcionado ao assediado, com clara intenção de perseguição.
Assédio moral também pode ser privado

O assédio não se configura apenas quando há humilhação pública, na frente de outras pessoas.
A humilhação privada também é assédio moral.
O que determina se há ou não assédio moral, para além do aspecto de humilhação, são os efeitos na vida do assediado.
Mais abaixo, eu mostro como você pode provar que foi assediado, mesmo que não haja nenhuma testemunha dos atos de agressão e abuso.
O que diz a Lei sobre o assédio moral na medicina?
De acordo com o Código de Ética Médica, o médico terá para com os colegas, não interessa se superior hierárquico ou subalterno, respeito, consideração e solidariedade.
Perceba que temos uma proibição direta e clara ao comportamento de assédio na medicina.
Afinal de contas, ao assediar, a pessoa falta com o respeito, a consideração e a solidariedade com o seu colega de trabalho.
Além do código de ética, temos também a Constituição Federal, que assegura INDENIZAÇÃO em caso de dano moral nos casos em que alguém VIOLAR a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de outra pessoa.
No Direito, chamamos isso de REPARAÇÃO DE DANOS.
A Constituição, mais do que proibir o assédio, assegura o direito às pessoas assediadas, que sofrem um dano moral, acionar aquele que assedia na Justiça, buscando uma reparação do dano causado.
Por fim, o Código Civil (artigo 12) determina que é possível exigir judicialmente que se pare qualquer forma de lesão ou ameaça na Justiça, podendo ainda reclamar de perdas e danos.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Como o assédio moral provoca dano moral?

Tem gente que acha que não assédio moral não prova dano grave, que é uma situação normal, dentro da tradição da medicina.
Num ambiente de trabalho que preza pela excelência, uma vez que os profissionais da saúde lidam com vidas, o assédio é uma ferramenta de pressão para manter a atenção e a disciplina com o trabalho.
Mas essa opinião não se sustenta no Direito.
O dano moral é um prejuízo de ordem não material, ou seja, é aquele que afeta a pessoa do ponto de vista moral, espiritual, psicológico, justamente o que ocorre com quem é assediado.
Aquele que comete o assédio pode responder pelo dano causado e ser obrigado judicialmente a indenizar o assediado.
Importante: uma ação judicial não é uma garantia de que você vai conseguir a reparação do dano.
Uma ação judicial é o meio legítimo da pessoa buscar a reparação do dano moral, fazendo valer os seus direitos.
Contudo, desconfie de quem promete a famosa “causa ganha”, porque isso não existe.
Não há garantias de que o juiz vai aceitar suas alegações e conceder o seu pedido de reparação de danos.
Você terá que PROVAR que seus direitos foram violados, que você sofreu um DANO MORAL e que merece ser indenizado por isso.
Suas provas precisam ser fortes o suficiente para convencer o juiz de que você merece ser reparado.
Recomendações com relação às provas do assédio moral

Costumo orientar meus clientes de que “prova”, no Direito, não é opinião ou impressão.
Mesmo que você tenha certeza de que sofreu assédio e que isso gerou um dano moral, se não conseguir provar os fatos não terá seu dano reparado judicialmente.
Caso o profissional sofra assédio em ambiente de trabalho e pretenda buscar reparar a situação na Justiça, costumo fazer algumas recomendações com relação à produção das provas.
Primeiro, as situações de assédio precisam ser descritas com precisão na petição que é enviada ao juiz.
Por isso, é interessante que você anote data, hora e detalhes de todo episódio de assédio.
Não é recomendável alegar assédio moral com uma narrativa genérica, do tipo: “fui assediado durante todo o ano de 2019”.
Lembre-se: o objetivo numa ação judicial é convencer o juiz e você consegue isso com provas.
E que tipo de provas você pode trazer a um processo?
Agora, vamos tratar dos tipos de provas mais comuns que podem ser usadas numa ação judicial buscando reparação de dano moral causado por assédio moral.
Testemunhas
No tocante ao assédio moral, a prova é sempre difícil de ser produzida porque, muitas vezes, o assédio ocorre às escondidas.
Mas se existem testemunhas do ocorrido, você pode chamá-las a depor na ação.
O problema é que, em alguns casos, as testemunhas também podem estar sofrendo assédio e têm medo de denunciar ou depor como testemunhas.
Mas isso demonstra a importância de trazer os fatos a público, para que ninguém fique refém do assédio no ambiente de trabalho.
Registros e documentos
Além do relato das testemunhas, você pode usar de qualquer tipo de registro ou documento como forma de prova.
E claro que será difícil provar assédio em documentos como prontuários, relatórios e documentos administrativos, ainda que não seja impossível.
Por isso, pode ajudar bastante você manter o registro de conversas em gravações, vídeos, conversas em aplicativos de mensagens (como o Whatsapp), e-mails, comentários em redes sociais, etc.
Lembre-se: toda forma de registro de fatos pode e deve ser levada como prova ao processo judicial, que será avaliada pelo juiz.
Gravações
Gravações de áudios e vídeos feitos por celular têm sido usados com frequência como prova na Justiça.
Nesse caso, é bom saber que a Lei não obriga você a informar alguém de que está gravando uma conversa.
Gravações escondidas são aceitas como provas legítimas no processo.
O que não será aceito como prova é a gravação escondida feita por um terceiro.
Esse tipo de prova será considerada ilícita e será desconsiderada pelo juiz.
Conversas no WhatsApp
Conversas no WhatsApp, de qualquer aplicativo ou rede social, incluíndo e-mails e outros meios eletrônicos, em áudio ou texto escrito, também podem ser usadas como prova judicial.
Para utilizar esse conteúdo como prova, você precisa ir a um cartório e fazer uma ata notarial.
A ata notarial trará o conteúdo dos dispositivos eletrônicos para o papel e dará fé de que a narrativa é verdadeira, sendo, então, aceita pelo juiz.
Câmeras de segurança
Outro meio de prova útil do assédio moral são as gravações feitas por câmeras de segurança.
Às vezes, mesmo sem a gravação do áudio, é possível visualizar movimentos corporais e expressões que sinalizam a existência do assédio.
E isso pode ser decisivo no convencimento do juiz.
As provas não são vistas de forma isolada

Um juiz não pode analisar as provas de forma isolada no processo.
Por isso, não será uma prova específica que revelará toda a verdade sobre os fatos.
É a força do conjunto das provas que você conseguir levantar que serão mais fortes ou mais fracas, no sentido de convencer o juiz da sua história.
A denúncia pode ser um caminho para fazer cessar o assédio
Quando o caso de assédio é mais grave, atinge vários colegas, é feito por um superior hierárquico (numa clínica ou num hospital, por exemplo), você pode levar o fato ao Ministério Público do Trabalho ou à Superintendência Regional do Trabalho.
Eles poderão tomar providências que façam cessar, de forma mais rápida, o caso de assédio moral, uma vez que o resultado nas ações judiciais demoram a sair.
Assédio moral pode ser crime?
Atos de assédio moral em ambiente de trabalho podem configurar crime também.
Estamos falando dos crimes de calúnia, difamação ou injúria.
São os chamados crimes contra a honra.
Nesses casos, cabe registrar o fato em um delegacia, por meio de um Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Conclusão
Como as consequências de uma denúncia e uma ação judicial para a pessoa que promove o assédio moral são muito graves, é preciso ser cauteloso.
Num primeiro momento, uma simples conversa pode resolver a situação, e as agressões e abusos param.
Por outro lado, se isso não ocorre, o assediado tem que tomar providências para criar as provas de que está sendo assediado, seja gravando, seja anotando os fatos, seja pedindo ajuda a colegas para depor como testemunhas.
Embarcar numa aventura judicial, sem provas, simplesmente para prejudicar alguém, pode trazer mais problemas para você do que para o que promove o assédio.
Além das custas judiciais do processo e advogado, é possível que ao final de um ação judicial perdida, você seja obrigado a pagar honorários sucumbenciais.
O prejuízo pode ser grande.
A possibilidade de uma reparação judicial dos danos morais sofridos também precisam ser avaliadas por um profissional.