
Cirurgia plástica com fins estéticos gera obrigação de resultado para o médico?
Um cirurgião plástico tem obrigação de corresponder às expectativas de seus clientes?
A obrigação jurídica do médico, nesse tipo de procedimento, é de meio ou de fim?
Essa é uma questão delicada para todo médico que atua como cirurgião plástico, já que “beleza” é um conceito subjetivo.
Como assumir uma obrigação de fim com o paciente, quando o resultado a ser prometido é estético?
Além disso, diversas intercorrências médicas podem ocorrer, variando de paciente para paciente.
Mas, antes de explicar o nosso título, precisamos entender, inicialmente, qual a diferença, para o Direito, entre atividade meio e atividade fim.
Depois voltamos ao assunto, trazendo um case real de como um cirurgião plástico está sujeito a riscos jurídicos inerentes à sua atividade profissional.
A Atividade Meio
A atividade meio é aquela na qual o profissional se compromete a utilizar dos melhores recursos e técnicas disponíveis para obtenção de determinado resultado, sem, no entanto, responsabilizar-se pelo êxito do procedimento.
Um bom exemplo são os procedimentos de tratamento do câncer.
Nessa relação, o médico deve prestar o tratamento adequado, com recursos e condições específicas, conforme os ditames da ciência médica.
Entretanto, como não existe a certeza da cura, o médico não pode se comprometer com resultados.
O médico só é responsabilizado por seus atos, nesta modalidade de atividade, nos casos de negligência, imprudência ou imperícia.
A atividade de fim
Já na atividade de fim ou resultado, como próprio nome diz, existe o compromisso com um fim a ser alcançado.
Caso esse resultado não seja alcançado, nasce uma obrigação do profissional contratado em reparar eventuais danos trazidos ao paciente.
Afinal, a atividade do cirurgião plástico é de fim ou de meio?
Hoje, o entendimento dos Tribunais e dos estudiosos do assunto, é de que, em se tratando de cirurgia com fins estéticos, a obrigação do cirurgião plástico é de fim (resultado).
Já no caso das cirurgias reparadoras, o consenso é que é uma obrigação de meio.
Esse que vos fala, contudo, discorda, em partes, do posicionamento, no caso das cirurgias estéticas.
Explico!
O mais recente estudo adotado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) conceitua saúde como um bem-estar físico, social e mental.
O desejo do paciente em alterar seu estado estético, buscando melhorar sua autoestima ou, simplesmente, satisfação pessoal, não pode ser excluído do conceito de “saúde”.
O aspecto social e psicológico também devem ser considerados, no caso, como uma busca por um estado mais saudável.
Por este motivo (frisando, esse é um posicionamento pessoal e não adotado pelos Tribunais), acredito que a obrigação do cirurgião plástico, mesmo em casos estéticos, deveria ser de meio, não de resultado.
Isso, claro, se o profissional utilizou-se dos melhores meios disponíveis, da técnica apurada e do que há de mais moderno na tecnologia e literatura médica.
E, também, tenha coletado o termo de consentimento informado do paciente, acerca dos riscos inerentes ao procedimento.
Contudo, infelizmente, esse não é o entendimento da maioria.
Sendo assim, o médico é sempre responsável pelo resultado da cirurgia estética?
Na prática, sim! O médico é responsável pelo resultado da cirurgia estética com fins estéticos.
Mas, existem exceções.
E é aqui que entra a história do CIGARRO.

Recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás julgou improcedente uma ação de indenização, por suposto erro médico em cirurgia plástica com fins estéticos.
O paciente alegou, no processo, que teria havido má cicatrização, decorrente do procedimento.
Ocorre que o paciente era fumante.
No processo, ficou comprovado que a paciente fez uso contínuo de cigarro, antes e depois do procedimento.
Partindo dessa premissa, a literatura médica foi clara ao demonstrar os malefícios que o tabagismo trouxe no processo de cicatrização.
E foi com esse fundamento que o Tribunal manteve a improcedente o pedido do paciente, atribuindo o insucesso do procedimento estético ao tabagismo promovido pela suposta vítima.
Segue a decisão:
APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVO RETIDO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ESTÉTICOS. CIRURGIA PLÁSTICA. LIPOASPIRAÇÃO. INFECÇÃO E MÁ CICATRIZAÇÃO. PACIENTE TABAGISTA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. FALHA MÉDICO OU DA CLÍNICA NÃO EVIDENCIADA. I – Aplica-se o Código de Processo Civil de 1973, para fins de apreciação do agravo retido interposto na vigência do aludido diploma. Não se conhece do referido impulso quando não reiterado nas razões ou na resposta da apelação (artigo 523, § 1º). II – A distribuição do ônus da prova rege-se consoante a norma vigente na época da produção probatória (Teoria do Isolamento dos Atos Processuais e artigo 1.047 do Codex Processual Civil de 2015). Então, se verificado que todo o feito tramitou sob a égide do vetusto Código de Processo Civil (1973), aplica-se o disposto no artigo 333 do aludido diploma. III – Considerando que a obrigação do cirurgião plástico é de resultado, e não de meio, inverte-se o ônus da prova, ensejando a ele evidenciar os fatos desconstitutivos do direito da paciente de ser indenizada por eventual dano causado. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. IV – A literatura médica informa que cigarro e cirurgia plástica não combinam, pois a prática tabagista favorece o surgimento de infecções e má cicatrização, dentre outros entraves. Com base nisso, demonstrado à saciedade que a paciente faz uso contínuo de cigarros e não deixou de fumar antes do procedimento de lipoaspiração a que se submeteu, não pode o médico, tampouco a clínica, serem responsabilizados pela indesejada cicatriz saliente que resultou da cirurgia, ante a culpa exclusiva da vítima em não seguir as orientações do profissional. V – Sentença de improcedência mantida. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.
(TJGO, APELACAO CIVEL 209005-16.2011.8.09.0175, Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6A CÂMARA CIVEL, julgado em 19/04/2016, DJe 2018 de 02/05/2016).
Nesse caso específico, o cigarro funcionou com uma excludente de ilicitude.
Temos a chamada “culpa exclusiva da vítima”.
Ou seja, o resultado não foi alcançado, mas a culpa não foi do médico, mas exclusivamente do paciente.
Quando o paciente adota posturas que agravam seu estado de saúde, ou descumpre as prescrições médicas, gerando assim resultado indesejado da cirurgia plástica, não pode o médico ser responsabilizado por esse insucesso.
Cuidado que o médico precisa tomar
Mesmo estando consciente que a sua obrigação é de fim, e não de meio, existem cuidados que o médico precisa tomar para evitar riscos jurídicos desnecessários.
É fundamental sempre informar o paciente, por meio do “termo de consentimento informado”, sobre a necessidade de determinadas condutas, riscos inerentes e consequências do ato.
É importante que o profissional não use um termo de consentimento informado genérico.
Já tivemos caso, aqui no escritório, de médicos que sofreram terríveis consequências jurídicas por um termo de consentimento copiado, sem as adequações para os casos específicos.
É importante que, um especialista da área jurídica, elabore ou, pelo menos, revise os termos de consentimento, para evitar furos legais.
Isso é importante também para o paciente, que percebe a importância de seguir à risca todas as prescrições, orientações e cuidados fornecidos pelo médico.