
Quais os cuidados que o radiologista deve tomar na realização confecção dos exames.
Pode, em alguma hipótese, o profissional ser responsabilizado por alguma situação inerente aos procedimentos que realiza?
Responderemos essas indagações no decorrer do artigo.
É inegável que as ações que buscam responsabilizar médicos por omissão, imprudência e negligência aumentaram exponencialmente nos últimos anos.
Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça, mostrou o absurdo de 3 ações por hora contra erros médicos no Brasil (isso, em 2017).
Foram 26 mil processos tramitando na Justiça contra médicos.
É um número alarmante e que tem deixado a categoria bastante preocupada, principalmente nos momentos críticos de sua atividade: exames, procedimentos, cirurgias, etc.
Os radiologistas também estão na mira de clientes insatisfeitos, dispostos a buscar reparação por meio de litígio no Poder Judiciário.
Neste artigo, trago algumas dicas de como minimizar os riscos jurídicos inerentes aos procedimentos realizados pelo médico radiologista.
Passo 01 – informação

O médico deve assumir como prioridade a questão da correta comunicação com o paciente.
Lembre-se que a grande maioria dos pacientes são leigos e não fizeram sequer uma pesquisa prévia sobre seu estado de saúde.
Quando a paciente entra em seu consultório para realização da mamografia, o primeiro passo fundamental é a informação do paciente.
Quanto mais didático, melhor.
E ser didático é perceber que entre o que você sabe e o que o cliente consegue entender, existe um abismo gigante, que precisa ser preenchido por uma comunicação didática e acolhedora.
Essa conduta exaure o que chamamos de direito à informação.
Isso requer, também, que o profissional esclareça o paciente sobre riscos e limitações do método, sobre a possibilidade de resultados inconclusivos e a necessidade de confirmação de diagnóstico, posteriormente.
Esse é um passo que não pode ser ignorado, pois existe ampla jurisprudência, em que médicos são condenados por omissão ao dever de informar.
A boa comunicação deve ser validada com a elaboração Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Tenho visto muitos profissionais copiando e colando termos da Internet, elaborados de forma genérica, para atender a todos os casos, sem entrar em detalhes ou não sendo específicos acerca do procedimento a ser realizado.
Isso é algo que pode gerar responsabilização do médico.
Um exemplo é o procedimento da mamografia para pacientes que possuam algum tipo de prótese ou implante.
Existem casos na literatura médica em que o procedimento causa danos às próteses e implantes.
Mesmo sendo casos raros, já são suficientes para gerar o direito à informação ao paciente.
O termo de consentimento deve ser adaptado para pacientes nessas condições, informando que a mamografia pode gerar a compressão da mama para otimizar a demonstração das lesões, podendo ocorrer roturas, vazamentos, deslocamento ou rotações.
Neste ano de 2019, houve um interessante caso analisado no TJSP:
RESPONSABILIDADE CIVIL – Cerceamento de Defesa – Não ocorrência – Erro Médico – Mamografia – Rompimento de prótese de silicone – Inexistência de irregular conduta médica quando da realização da mamografia – Laudo que afastou a possibilidade de estabelecer o nexo de causalidade entre a ruptura do implante mamário e o exame de mamografia – A Ultrassonografia das Mamas no sentido de ausência de evidência de rotura dos implantes é datada de 17/02/2014, de mais de um ano antes da mamografia que ocorreu em 11/06/2015, e o Relatório Médico de fls. 53 faz menção a exame ginecológico completo, “sem alteração a palpação bilateral de próteses mamárias”, cujo exame deu-se em 02/03/2015, portanto cerca de três meses antes da mamografia, de forma que o rompimento com maior probabilidade ocorreu nesse ínterim – Sem culpa ou erro grosseiro não há obrigação de indenizar – Improcedência da ação – Recurso desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1015709-78.2016.8.26.0008; Relator (a): Alcides Leopoldo; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/02/2019; Data de Registro: 27/02/2019) (grifo nosso).
Perceba que o pedido foi julgado improcedente, porque o julgador entendeu que a ruptura foi anterior ao procedimento.
Mas imagine a seguinte situação: se o profissional não informa a paciente dos riscos do procedimento e, de maneira inerente ao procedimento (ou seja, sem omissão, imprudência e imperícia) ocorre a ruptura da prótese.
Esse profissional poderá ser responsabilizado!
Mas atenção!
No exemplo dado, a condenação não será pela ruptura, visto que não houve omissão, imprudência e imperícia, mas sim pela ausência do dever de informação!
Essa responsabilização poderia ser excluída por um Termo de Consentimento informado específico.
Preferencialmente, esse termo deve ser confeccionado ou revisto pelo seu advogado de confiança.
Passo 02 – Cuidados com a telerradiologia

O Termo de consentimento livre e esclarecido é essencial na telerradiologia, visto que ocorrerá transferência de informações.
Essa obrigatoriedade terá maior relevância com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, que começa a vigorar em 2020.
Provavelmente, trará muitos complicadores jurídicos para os médicos em geral, e para os radiologistas, no caso específico desse procedimento.
Por exemplo, as informações sobre o paciente identificado só podem ser transmitidas a outro profissional com prévia autorização do paciente, e sob rígidas normas de segurança.
O médico tem que ser capaz de garantir a confidencialidade e integridade das informações dos pacientes.
Outro fato que o profissional deve se atentar é que a transmissão dos exames por telerradiologia deverá ser acompanhada dos dados clínicos necessários do paciente, colhidos pelo médico solicitante, para a elaboração do relatório.
Isso, porque o fator crítico dessa prática é a distância, a não análise pessoal.
E é nesse ponto que os maiores críticos da telemedicina se apoiam: a elevação da probabilidade de erro de diagnóstico por exames realizados a distância.
Olha o exemplo, nessa decisão judicial:
Indenização – Autora que se submeteu a mamografia, sobrevindo laudo contraditório, em cuja discussão não inferia o diagnóstico de câncer, mas que trazia a expressa indicação de achados mamário altamente suspeitos, compatíveis com tumor maligno – Necessidade de novo exame, em outra instituição, que comprovou que tais achados eram benignos – Erro de diagnóstico comprovado – Angústia causada à demandante que constitui dano anormal à personalidade, e não mero aborrecimento – Danos morais configurados – Pedido procedente – Preliminares rejeitadas e recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1031312-81.2016.8.26.0562; Relator (a): A.C.Mathias Coltro; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos – 11ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/05/2018; Data de Registro: 04/06/2018).
Sendo assim, atenção redobrada no diagnóstico de qualquer exame de imagem, relacionando com dados clínicos, principalmente na telerradiologia, conforme bem específica o parecer 2.107/2014 do CFM.
Confira o parecer – clique aqui
Passo 03 – Cuidados na entrega do exame

Existem duas formas de realização do exame de mamografia, a analógica e a digital.
Na realização do exame por meio digital, recomendamos que ele seja entregue tanto por filme impresso, quanto por meio digital (CD/DVD).
Explico!
O intuito dessa recomendação é pautado no princípio da cautela.
Muitos médicos assistentes não possuem aparato necessário para verificação, em seus consultórios e centros cirúrgicos, do exames enviados por via digital.
Seja por incompatibilidade de sistemas, demora na abertura do exame, falta de hardware para leitura das mídias (CD ou DVD), dentre outros fatores.
Por estes motivos, a Comissão Nacional de Mamografia chegou a editar uma recomendação nos exames de mamografia (não compartilho pois o parecer é privativo dos médicos).
Dentre outras, o parecer recomenda que o exame não deve ser impresso em papel, devida a baixa resolução.
Parece um detalhe irrelevante, mas veja o que ocorreu neste caso que foi judicializado, com condenação em dano moral e material contra o médico.
INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. APENDICITE. DEMORA NO TRATAMENTO. DANO MATERIAL E MORAL. Insurgência contra sentença de procedência. Sentença reformada em parte. Nulidade. Não há nulidade na sentença, que considerou que o dano moral decorre da própria caracterização dos fatos, inexigindo prova específica de sua ocorrência. Erro médico. Ainda que o procedimento cirúrgico tenha sido realizado dentro de janela aceitável, houve erro médico consistente em não ministrar antibiótico e hidratação quando já havia indicação para tanto, bem como em aguardar-se várias horas para a realização de ultrassonografia e posterior cirurgia. Responsabilização do hospital. Possibilidade. Uma vez reconhecida a existência de erro médico, o hospital responde objetivamente pelos danos causados, de sorte que é desnecessária a individualização e inserção dos profissionais que atenderam o autor no polo passivo (arts. 951, 932, III, 933, CC). Valores. Indenização por dano moral arbitrada em valor excessivo. Redução R$ 200.000,00 para a vítima, R$ 100.000,00 para cada um de seus pais e R$ 20.000,00 para cada um de seus irmãos. Indenização por dano material adequadamente fixada, não comportando redução. Recurso parcialmente provido.
(TJSP; Apelação Cível 1001128-97.2015.8.26.0071; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Bauru – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/10/2019; Data de Registro: 08/10/2019) (grifo nosso).
Agora, podemos interpretar essa jurisprudência em relação nosso passo 03.
Imagine que essa demora para realização da cirurgia tenha sido ocasionada pelo não envio do filme impresso a um centro cirúrgico, que não conseguiu abrir a mídia digital.
E essa demora em conseguir o filme impresso gerou complicações do caso.
Provavelmente, em uma possível demanda judicial, o fato seria considerado relevante, podendo haver responsabilização dos envolvido.
Conclusão
Entendemos que muitas questões judicializadas, em desfavor da radiologia, poderiam ser evitadas se fosse adotado práticas preventivas mais efetivas.
Correta informação ao cliente, cuidado com a Legislação pertinente à proteção de dados e uso adequado da tecnologia para agilizar o atendimento são os pilares básicos da prevenção jurídica para médicos.
A assistência legal também é fundamental, pois há questões do dia a dia que requerem uma análise especializada.
Tanto na elaboração de documentos médicos, quanto na forma de lidar e se comunicar com os pacientes, é preciso estar atento a todo e qualquer tipo de implicação jurídica.
E mesmo as condutas mais simples e inocentes podem causar verdadeiras tragédias na vida profissional de um médico.
Esteja atento às implicações jurídicas da profissão, seja estudando, seja pelo acompanhamento de um profissional de confiança.
Buscamos apenas breves dicas para celebrar o dia do Radiologista, profissional essencial ao exercício das ciências médicas.
Espero que tenha gostado!